Filmes Comentários

domingo, 25 de março de 2012

O Povo Soberano

_______________________________


Por Everardo Dias (1883-1966)

Se os nomes se gastassem com o uso, de há muito que o povo não mais possuiria o seu.

Não há político sem mérito que não abuse dele; não há jornalista burguês que não o traga e não o leve, aproveitando-o para os mais opostos fins; não há clube secreto, nem assembleia pública, nem púlpito de igreja onde não se fale do povo, onde não se alardeie que se trabalha pelo seu melhoramento e pela sua emancipação. O que eles nunca dizem é que o povo é um conjunto de degraus para a consecução das suas secretas ambições, que é a escada pela qual se trepa ao poder, que é a máscara com que se ocultam as traições, que é o editor responsável de tudo quanto é ruim e detestável...

Disse Guerra Junqueiro:

“O povo é rei. É rei como Jesus, Para beber o fel, para morrer na Cruz!”

Uns o amordaçam, outros o enganam; todos o exploram.

À sua sombra canta-se a lealdade e medita-se na traição... Com seu involuntário concurso executam-se as maiores indignidades. Dentre a sua compacta massa saem, periodicamente, um guerreiro, um poeta, um orador, um político. Mas o guerreiro o espaldeira, o legislador o escraviza, o poeta o abandona para arrastar o seu gênio perante o poder, o orador o acusa, o político o vende.

Eterna vítima de uns e outros, espera há tempos, tanto destes como daqueles, o cumprimento das suas falazes promessas.

Se a civilização não tivesse despedaçado os grilhões da escravidão, ainda permaneceria escravo.

Os seus salvadores, os seus apologistas, os seus defensores o empregaram como instrumento necessário de ódio e depois o abandonaram. É que o povo permaneceu ainda na sua infância com todo o entusiasmo e com toda a inexperiência, próprias da primeira idade.

À força de ser crédulo, é idólatra e constantemente o vemos prostrar-se perante o senhor, tremer perante o monarca, julgando-o uma entidade sobre-humana e adorar mais tarde aquele que lhe trouxe a morte sob as dobras da bandeira augusta da Liberdade...

Mas, como a idolatria é cega durante certo tempo somente, o povo começa a abrir os olhos e contempla a etrusca feiura dos seus ídolos de hoje e prepara-se para os derribar do pedestal onde noutros tempos contritamente os colocara.

Já começa a conhecer os seus verdadeiros interesses, a distinguir os que realmente são seus amigos, e benfeitores e a apreciar com justiça o valor que têm os seus falsos apóstolos; e assim que a idolatria seja sobrepujada pelo desprezo, o povo terá vida e representação próprias e não será instrumento de bastardas ambições, nem pedestal para onde trepem os farsolas que querem aparecer mais altos do que realmente são.

Texto transcrito do Jornal Germinal, Bahia, 1º de Maio de 1920.

5 comentários:

  1. desde há muito tempo que o "povo" tem servido de massa de manobra da burguesia contra seus inimigos pontuais:

    o rei,
    a igreja,
    o estado
    e as vezes, pasmem, um outro burguês que está sendo o seu concorrente direto no mercado.

    ResponderExcluir
  2. Ao invés de Sociedade Democrática de Direito, vivemos em uma "Só-saciedade Autocrática com Dinheiro"
    Barrucosa

    ResponderExcluir
  3. e na bahia tinha anarco???

    para os marxista anarquismo era coisa de carcamano (italiano) semi-letrado em são paulo e rio de janeiro, mas aqui só tinha negão... como é que fica??

    ResponderExcluir
  4. Primeiramente, repudio alguns comentários destituídos de conteúdo neste blog demasiado interessante, dentre "n" blogs desnecessários que constam aqui na blogosfera.

    Segundo, parabenizo ao Everardo (quem desconheço) por trazer à lume, publicação de um jornal antanho.

    A poesia é um gênero literário contra o qual não nos permite argumentar, ao revés do artigo científico, tese de dissertação e outros trabalhos que devem convalidar as suas conjecturas por "A + B". Eis aí, difusa, muita criatividade ao ponderar-se acerca do povo enquanto tipo ideal.

    Parabéns pelo blog e pela ressurreição dessa publicação de O Germinal, que a propósito, a temática continua atualíssima!

    ResponderExcluir