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sexta-feira, 6 de abril de 2012

O Anarquismo e a Moral

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Errico Malatesta  (1853 – 1932)

Há quem ache que os anarquistas negam a moral, porque, sob o ponto-de-vista teórico, não admitem uma moral absoluta, eterna, imutável, e que, na prática, se insurgem contra a moral burguesa, que sanciona a exploração das massas e condena os atos que põem em perigo e prejudicam os privilegiados.

Esquecem-se os que assim pensam de que a moral corrente, além das regras inculcadas pelos sacerdotes e pelos amos, no interesse do seu domínio, existem também, e são na realidade as mais numerosas e substanciais, as regras que são o resultado e a condição de qualquer convivência social: esquecem-se de que a revolta contra toda e qualquer regra imposta pela força não significa de maneira alguma a renúncia a todo e qualquer freio moral e a todo e qualquer sentimento de obrigação para com os outros. Para combater racionalmente uma moral é indispensável opor-lhe, em teoria e na prática, uma moral superior. Dentro da moral burguesa, se nisso forem um pouco ajudados pelo temperamento e pelas circunstâncias, os homens acabam por se tornar imorais na acepção absoluta da palavra; isto é, sem regra de conduta, sem critério para guiar as suas ações, cedendo passivamente aos impulsos do momento. Hoje tiram o pão da boca para socorrer um companheiro, e amanhã matarão um homem para poder ir a um bordel!

A moral é a regra de conduta que cada indivíduo tem por hora. Pode achar-se má a moral dominante numa época, num país determinado, em certa sociedade, e, com efeito, nós achamos péssima a moral burguesa; mas não se pode conceber uma sociedade sem uma moral, seja ela qual for, nem um homem consciente que não tenha critérios algum para julgar o que é bom e o que é mau para si e para os demais. Quando combatemos a sociedade presente, a moral egoísta dos burgueses, a moral da luta e da competência, opomos a moral do amor e da solidariedade, e tratamos de estabelecer instituições que correspondam a esta nossa concepção das relações entre os homens. De outra maneira, como poderíamos achar mau que os burgueses explorem o povo.

Outra afirmação daninha, que em muito é sincera, mas que em outros é uma desculpa, consiste em que o atual ambiente social não permite sermos morais; e que, por conseguinte, é inútil fazer esforços, por meio dos quais nada se poderá alcançar; o melhor será cada um tirar o proveito que possa, dadas as presentes circunstâncias, sem, se importar com os outros, mudando depois de vida quando mudar a organização social. Certamente, todo anarquista compreende a fatalidade econômica que hoje constrange o homem a lutar contra o homem, e todo bom observador vê a impotência da revolta individual contra a força prepotente do meio social. Mas é igualmente certo que, sem a revolta do indivíduo que se associa aos outros indivíduos revoltados para resistir ao ambiente e tratar de o transformar, esse ambiente jamais se modificaria.

Todos nós, sem excepção, nos vemos forçados a viver mais ou menos em contradição com os nossos ideais; mas somos anarquistas, pelo que sofremos com essa contradição e pelo que nos esforçamos por diminuí-la o mais possível. No dia em que nos adaptássemos ao meio, naturalmente nos fugiria o desejo de o transformar, e nos converteríamos em simples burgueses, sem dinheiro talvez, mas nem por isso menos burgueses nas ações e nas intenções.

Texto publicado no jornal O Inimigo do Rei, número 20, Julho/Agosto de 1987.

4 comentários:

  1. Concordo com os argumentos, com tudo, conhecendo pouco de Malatesta, sei também, que sua biografia indica para um sul de dedicação. Neste sentido, penso que este blog e os seminários realizados em Salvador, lá se vão algo como 14 anos, abrem a possibilidade de escolha para as pessoas. Apesar de oferecer escolhas, para nós e para outros não ser o suficiente, no sentido que é preciso também a luta cotidiana nas várias frentes, sobretudo, no espaços menos visíveis.

    João

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  2. 35 anos, prá ser mais exato, caro John. Se começarmos a contar com o primeiro exemplar do jornal O Inimigo do Rei, em Outubro de 1977. Se contarmos com O Fantasma da Liberdade, ai vão-se mais alguns.

    um abraço,

    cb

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  3. Errico Malatesta (militante anarquista):

    "O anarquismo é organização, organização e mais organização."

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